Viktor Frankl critica em diversos livros seus o que ele chama de a nova roupagem do niilismo,doutrina filosófica cuja principal característica é uma visão cética radical e sobretudo pessimista em relação às interpretações da realidade, que aniquila valores e convicções” apresentando de forma reducionista os mais variados fenômenos a partir de um único campo de conhecimento, teoria ou ponto de vista. Tudo se reduz então à seguinte fórmula: Nada mais que.

Logo, segundo o reducionismo biológico, a vida não seria nada mais que átomos e moléculas; o amor nada mais que uma vantagem evolutiva ou nada além de um processo bioquímico. Podemos encontrar tendências reducionistas também no campo da psicologia, onde para alguns o homem nada mais é do que resultado de seus processos inconscientes, sem qualquer liberdade, ou ainda não seria nada mais que processos de condicionamento. Esta citação de Viktor Frankl evidencia o que talvez tenha servido de estímulo para que ele desenvolvesse sua ontologia dimensional:

(…)como será possível preservar o caráter de unidade do homem face ao pluralismo da ciência, num momento em que esse pluralismo é o solo fértil sobre o qual o reducionismo floresce?

Viktor Frankl, 1988

Frankl considera que, qualitativamente, o ser humano é constituído por três dimensões: corpo, psiquismo e espírito“espirito e espiritual na obra de Frankl não está relacionado à alma ou espirito no sentido religioso, mas sim à dimensão noológica. Estas dimensões estariam organizadas segundo o modelo tridimensional da geometria. O ser humano seria então o equivalente a uma esfera ou uma pirâmide que só pode ser representada no espaço através de coordenadas nos três planos (x,y,z). Qualquer tentativa de definir o homem a partir de apenas uma ou duas dimensões resultaria em uma representação equivocada ou incompleta.

Não importa quantos círculos você desenhe no papel ou seu tamanho, não é possível substituí-lo por uma esfera. A natureza dessas figuras são diferentes. De igual forma o ser humano, por possuir uma dimensão espiritual jamais pode ser equiparado a um chimpanzé ou golfinho, por mais empáticos e espertos sejam esses animais. Os animais encontram-se condicionados aos seus instintos e não se fala em liberdade ou responsabilidade.

A dimensão espiritual é o que faz de nós seres humanos e não só mais uma raça de primatas inteligente. A dimensão espiritual representa nossa liberdade, nossa capacidade de nos libertamos de tudo aquilo que nos condiciona: dor, cansaço, fome, instinto de reprodução, instinto de sobrevivência, impulsos afetivos, para citar alguns. Como ser espiritual que somos, apresentamos:

As decisões pessoais de vontade, intencionalidade, interesse prático e artístico, religiosidade, senso ético e compreensão do valor.

Lukas, 1989

Como consequência, estudando o homem em apenas uma ou duas de suas dimensões, vislumbramos apenas uma projeção de sua totalidade. Observar um fenômeno em apenas uma de suas dimensões é possível e, afinal, é assim que o conhecimento científico se desenvolve. Por exemplo, graças aos médicos especialistas em pequenas partes do corpo como os olhos e coração é que grandes descobertas e avanços na medicina são feitos. Mas um médico que dedica sua carreira a estudar apenas a retina dificilmente vai afirmar que a retina é o próprio olho ou a única responsável pela visão. Precisamos ter a humildade de reconhecer que quando estudamos o homem observamos apenas uma parte dele e as projeções podem, inclusive, ser contraditórias entre si:

Na imagem da direita na figura acima é possível observar que um único objeto tridimensional é capaz de projetar três formas geométricas diferentes: triângulo, quadrado e círculo. Perceba na imagem da esquerda que é impossível tentar “adivinhar” o formato da figura original a partir de sua projeção. A partir do círculo poderíamos ser precipitados e errar em dizer que acima do círculo eleva-se um cilindro.

Tentar fazer “encaixar” todas as facetas do homem dentro de um único ponto de vista é enganoso. Porém essa visão distorcida que nós seres humanos fazemos de nós mesmos é bastante compreensível e comum. Nós facilmente nos tornamos tendenciosos. Alguém que trabalhou a vida toda em um presídio talvez tenha maior probabilidade de enxergar um homem como um ser violento e brutal. Porém alguém que passou sua vida toda em uma instituição de caridade talvez tenha uma visão bastante diferente do ser humano, quase tão diferente quanto um quadrado e um triângulo…A ontologia dimensional me fez enxergar que a vida de cada ser humano é profunda e bela, qualquer definição abaixo disso é uma simplificação grosseira.


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